Teologia Anti Predestinação - I

20/08/2012 23:34

 

Declarações Bíblicas acerca do tema

 

Para facilitar o desenvolvimento do assunto, quero basear-me em sete declarações, com base na Palavra de Deus, elaborados na forma de enunciados:

Primeiro enunciado:

Deus oferece salvação indistintamente a todas as pessoas. Duas passagens bíblicas são fundamentais neste sentido. A primeira é de Tito 2.11-14, que começa assim: "Porque a graça de Deus se manifestou, trazendo salvação a todos os homens...". Com esta passagem, corrobora 1 Timóteo 2.3-6, que diz que Deus deseja que todos os homens sejam salvos.

O raciocínio para analisar este enunciado é o seguinte: Quantas pessoas Deus quer salvar?

A quantas pessoas Deus trouxe salvação?

A resposta é que Deus trouxe salvação a todos os homens.  Se for a todos, não pode ser a um grupo de privilegiados.

Segundo enunciado:

A salvação oferecida pela fé, indica livre escolha. Vamos recorrer a três textos bíblicos fundamentais para esta idéia.

O primeiro está em João 3.16,18, que todos aqueles que estão familiarizados com a Bíblia, conhecem. Ele diz que a Salvação é dada a todo aquele que crê. O que não crê, escolhe a condenação. Na primeira epístola a Timóteo, 1.15, 
encontramos a declaração de que Cristo veio salvar os pecadores. Ora, se em Rom. 3.23, a Bíblia diz que todos pecaram, logo a salvação é para todos os que se julgarem pecadores, como Paulo o faz, dizendo-se o principal deles. A célebre passagem de Efésios 2.7-9 reafirma esta fundamentação, dizendo que somos salvos pela graça, mediante a fé.

O raciocínio lógico aqui é: Quantos não perecerão? Resposta: todos aqueles que crerem.

Quantos pecadores Cristo veio salvar? Todos aqueles que se julgarem como tais, como Paulo.

E, finalmente: a salvação pela graça, mediante a fé, pode indicar escolha arbitrária de Deus, pois em João 3.16 se declara que Ele amou o mundo. A graça que atinge o mundo todo poderia deixar alguém sem oportunidade? Parece que não.

Terceiro enunciado:

O perdão de pecados oferecido ao mundo em geral elimina uma seleção. Comecemos pela primeira epístola de João, o apóstolo do amor, capítulo 2, versos 1 e 2. Aqui ele trata do pecado do crente, num primeiro estágio e do pecado do mundo em geral, num segundo estágio. E ele afirma, inspirado pelo Espírito Santo, que Jesus Cristo é a propiciação pelos pecados de todo o mundo.

Em Romanos 3.21-26, onde Paulo vai dizer que "todos pecaram", ele começa, no entanto, dizendo (v. 22) que a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo é para todos os que crêem, porque não há distinção, pois todos pecaram, e destituídos estão da glória de Deus.

Ora, o raciocínio do escritor inspirado pelo Espírito Santo é que, se todos pecaram e se todos estão destituídos da glória de Deus, todos precisam de oportunidade de salvação, que é a justiça de Deus pela fé em Jesus cristo (Rom. 3.21-23).

Outra vez, formulamos nosso raciocínio: segundo o texto da carta de João, quantos podem ter seus pecados perdoados?

            Reposta: todo o mundo. E de acordo com o 2º texto, em que todos pecaram, quantos podem ser justificados gratuitamente? Será que há limitação?

Quarto enunciado:

Segundo a Bíblia, os homens serão julgados pelas suas obras. Comecemos com João 5.28,29. Aqui o apóstolo do amor cita Jesus, que diz que vem a hora em que os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz. E os que tiverem feito o bem sairão para a ressurreição da vida e os que tiveram praticado o mal, para a ressurreição do juízo. Em Mateus 16.27, Jesus diz que o filho do homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos e então retribuirá a cada um segundo as suas obras. Em Atos 10.34,35 temos uma interessante declaração do apóstolo Pedro, falando cheio do Espírito Santo, em que assim se expressa: "... na verdade reconheço que Deus não faz acepção de pessoas; mas que lhe é aceitável aquele que, em qualquer nação, o teme e pratica o que é justo".

Com a mesma idéia corrobora a epístola de Paulo aos Romanos, capítulo 2, versos de 6 a 11, em que o apóstolo começa dizendo que Deus retribuirá a cada um segundo as suas obras.

O raciocínio aqui é: Se é pelo que fizeram de bom e o que fizeram de mau, então não é por uma seleção soberana de Deus. E é interessante notar que "obra" nos textos indicados pode perfeitamente significar "crer e viver segundo os frutos do Espírito" (João 3.16-21; Salmo 5.16 e ss).

Quinto enunciado:

Deus não faz acepção de pessoas. O extraordinário encontro de Pedro com a família de Cornélio, registrado em Atos 10, já nos mostra, no verso 35, que Deus não faz acepção de pessoas. Em Efésios 6.9, falando do relacionamento entre servos e senhores, repete o mesmo princípio. E em Romanos 2.11, falando de judeus e gregos, Paulo, outra vez evoca o mesmo princípio.

Ora, o raciocínio aqui é muito simples: Se Deus não faz acepção de pessoas, porque escolheria uns para salvação e outros para a perdição? Os predestinistas explicam que este é um ato da soberania de Deus e que não podemos questionar. Sim, o fato não deveria ser questionado, se não houvesse tais princípios tão claros. E sabemos que a Bíblia não pode se contradizer, muito menos Deus.

Sexto enunciado:

Deus é absolutamente justo. "Não fará justiça o juiz de toda a terra?" (Gen. 18.25b). É assim que Abraão argumenta com Deus, no caso de Sodoma e Gomorra. E Deus respondeu que faria justiça.

Ser justo é dar a cada um o que lhe é devido. Na verdade, uma vez que o ser humano era livre e caiu por iniciativa própria, Deus não lhe devia nada. Mas a Bíblia diz que Deus amou o mundo. E por isso lhe deu o Seu filho unigênito e amado. Assim, porque todos pecaram, o ideal de justiça de Deus exige que Ele ofereça salvação a todos as pessoas. E é isto mesmo que está na argumentação do apóstolo Paulo, em Romanos 3.21-17, passagens que já examinamos anteriormente neste trabalho.

O raciocínio aqui não pode ser outro: Se todos pecaram e se Cristo morreu para salvar o pecador, como pode a justiça de Deus escolher uns, e outros não? Aí não haverá justiça.

Sétimo enunciado:

A predestinação está condicionada à presciência de Deus. As dificuldades em entender a predestinação podem ser sanadas com a argumentação da presciência de Deus. E há algumas passagens bíblicas muito claras sobre o assunto.

Inicialmente, há duas passagens de muito valor. São elas:
1 Pedro 2.9-10; 2 Ped. 1.10-12. Elas falam de eleição, que é a mesma coisa. Mas as passagens mais fortes são: Rom. 8.29, Ef. 1.4-13, 1 Ped. 1.1-2. A passagem de Romanos mostra claramente que a eleição ou predestinação é feita na base de um conhecimento prévio: "os que dantes conheceu". Isto quer dizer: presciência de Deus. Esta passagem serve para ajudar a interpretar o capítulo seguinte, o 9 de Romanos, que parece favorecer a predestinação. Aliás, não se deve perder de vista o fato de que Paulo ali está falando dos judeus.

A propósito de Rom. 8.29, o Dr. Russel Norman Champlin, em seu comentário: "O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo", obra muito usada pelos pregadores brasileiros, exagera, data vênia, em dizer que o "conhecimento prévio" aqui significa: "conhecimento amoroso ou preocupação familiaridade com os entes amados, isto é, aqueles que seriam amados por Deus" (Vol. 3,p. 72b). De fato, o termo grego aqui é bem forte, mas não nos dá elementos para tanto.

Quando comenta 1 Ped. 1.2, que fala claramente de presciência, o autor acima citado usa a mesma idéia exagerada. Não duvidamos que está idéia também esteja implícita nos textos em exame, mas não podemos fugir à realidade de que, quem conhece uma pessoa, sabe mais sobre ela, além de simplesmente amá-la. É muito razoável entendermos que Deus nos conheceu, ficou sabendo que haveríamos de crer em Cristo para a salvação, e na base de tudo isso, Ele nos amou e nos preordenou ou predestinou.Portanto, esta passagem de 1 Ped. 1.2, é muito esclarecedora. Afinal, presciência é presciência.

Diante, portanto, de alguns textos difíceis, como Rom. 9, temos que deixar o ensino geral das Escrituras prevalecer. E o que prevalece é que Deus tem, sim, um povo escolhido, mas que foi marcado pelo poder que Ele, Deus, tem de ver quem vai crer e quem vai rejeitar. A esses, Deus marca e denomina escolhidos Seus. Daí são eleitos desde a fundação do mundo porque vão crer, e, como Paulo diz em 2 Tim. 2.19, "Deus conhece os que são seus".

Um exemplo que pode nos ajudar. Hoje, com a ficção científica, apareceram alguns filmes sobre viajantes do tempo. Um deles põe uma dupla de rapazes inteligentes, que vivem no fim do século vinte, viajando pelo tempo. Em certo episódio, a dupla é jogada no ano de 1945. Como eles estudaram história e sabem o que aconteceu na segunda guerra mundial, poderão adiantar aos que estão vivendo naquele tempo, tudo quanto lhes vai acontecer. Para o povo daquele tempo, os dois forasteiros são profetas, porque sabem tudo quanto vai acontecer. Ocorre, no entanto, que eles foram jogados ali de uma data futura e tinham, por isso mesmo, conhecimento da história. Ora, se a imaginação do homem pode elaborar um procedimento desses, que é apenas ficção, imaginem como Deus pode saber de tudo o que está na história de cada um de nós, tanto no passado, como no presente e no futuro, como se tudo fosse um eterno presente.

É nesse sentido que somos predestinados e eleitos. Não por uma escolha arbitrária, mas porque Deus chamou a todos, mas nem todos quiseram aceitar a Sua chamada. E se não for assim, teremos que admitir que todo o chamamento da Bíblia a todo o pecador é mera representação teatral porque, no final de tudo, Deus escolherá uns e rejeitará outros.

Aliás, na seqüência de Romanos 9, e dentro do mesmo tema, Paulo, depois de dizer, no capítulo 10.13, que "todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo", complementa: "Mas nem todos obedecem o evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem creu na nossa pregação?" (10.16).

Por que não obedecem? Porque não querem. (Continua)